Anotações à Mensagem do Patrono
Venus
Serão apenas três.
- A primeira, sobre a ironia subjacente ao texto de Marcial que é, todo ele, um bem trabalhado eufemismo. Marcial está, claramente, a "dourar a pílula" que se prepara para ministrar aos seus pacientes.
Sobre esse mesmo tema ele fará, como se terá ocasião de ver, outras divagações bem mais consentâneas com a contundência dos seus impiedosos epigramas. - A segunda é sobre a expressão "falar latim autêntico" ("latine loqui"), à letra, "falar latinamente", como quando nós dizemos, "portuguêsmente falando"... ou seja, "sem papas na língua", para usar outra expressão bem portuguesa.
- Finalmente, as Florais e o episódio de Catão.
As Florais, que vieram a dar os nossos inocentes e literários "jogos florais", se, porventura tinham alguma coisa de literário, não tinham nada de "inocente", no sentido de recatado ou pudico.
Pelo contrário, eram ritos ligados à fertilidade muito realisticamente "mimados", isto é, imitados e representados, envolvendo mesmo a "mimarum nudatio", isto é, a desnudação das actrizes.
Como se vê, o moderno "stripe-tease" só tem de moderno... a sua designação.
Quanto a Catão, foi numa dessas representações que, ao que conta a história, por respeito pela proverbial austeridade de Catão, as actrizes não se despiram.
Catão, percebendo que a sua presença privava os espectadores dessa aguardada parte do espéctaculo, retirou-se. O que lhe mereceu estrondosa ovação da assistência. E, agora, o remoque de Marcial. Afinal, Catão, não foi para ver. Mas para ser visto.
Os outros que admirem a austeridade de quem não quer ver.
Marcial desvenda o exibicionismo de quem tudo fez para ser visto.
Digamos que é uma boa lição prática sobre a utilidade da ironia.
Desvenda a outra face, normalmente, oculta ou ocultada, da realidade humana e social.