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terça-feira, julho 04, 2006 

De Guerra Junqueiro. À Pérfida Albion

(Alguns anos antes do Portugal-Inglaterra deste Mundial.

Imaginem, que poema não seria, se fosse escrito , depois...!!!)



À Inglaterra

(Fragmento)

Ó cínica Inglaterra, ó bêbeda impudente,
Que tens levado, tu, ao negro e à escravidão?
Chitas e hipocrisia, evangelho e aguardente,
Repartindo por todo o escuro continente
A mortalha de Cristo em tangas d'algodão.

Vendes o amor ao metro e a caridade às jardas,
E trocas o teu Deus a borracha e marfim,
Reduzindo-lhe o lenho a c'ronhas d'espingardas,
Convertendo-lhe o sangue em pólvora e bombardas,
Transformando-lhe o sangue em aguarrás e em gim!

Teus apóstolos vão, prostituta devassa,
Com o fim de levar os negros para o céu,
Desde o Zaire ao Zambebe e desde o Cabo ao Niassa,
Baptizando a Impiedade em Jordões de cachaça,
Mostrando-lhe o teu Deus na tua hóstia - o guinéu!

A honra para ti é inútil bugiganga.
O teu pudor é como um Matabel sem tanga,
Monstruoso ladrão, bárbaro traficante;
Compras a alma ao negro a genebra e a missanga,
Vendendo-lhe a tua bíblia e queixais de elefante.


A tua bíblia! o teu Cristo!... A tua bíblia é uma agenda
Em que a virtude heróica a cifras se reduz.
E o teu Cristo londrino é um Deus de compra e venda,
Deus que ressuscitou para abrir uma tenda
De cortiça, carvão, álcool e panos crus!

Pela estrada da história, ó milhafre daninho,
Vai um povo seguindo o seu norte polar,
E tu és o ladrão que lhe sais ao caminho,
Com a manha do lobo e a coragem do vinho,
A roubar-lhe os aneis para o deixar passar!

Quando espreitas o fraco apontas a clavina,
Quando avistas o forte envergas a libré...
A tua mão ora pede esmola ora assassina...
Teu orgulho, covarde, é, meu Bayard d'esquina,
Como um tigre de rastro e um capacho de pé!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Quando já se desenha em arco d'aliança
A porta triunfal do século que vem,
Por onde dez nações marchando atrás da França,
Palmas na mão, cantando um cântico d'espr'ança
Hão-de entrar numa nova, ideal Jerusalém;

Quando rompe a alvorada azul do grande dia,
E de longe um clarim frenético nos chama...
Quando, ao ver no horizonte o esplendor da aleluia,
O colosso de ferro e d'oiro, a Tirania,
Já começa a baquear sobre os seus pés de lama;

Quando Paris entoa uma epopeia homérica
Com o timbre imortal da sua hercúlea voz;
Quando, numa rajada explêndida e quimérica,
O ciclone de luz que deu volta à América
Vai co'as asas de fogo a perpassar por nós;

Quando da pátria enfim o coração fremente
Palpitava num sonho encantador de glória,
À face do universo inteiro, de repente,
Brutalissimamente
Em plena Europa, em pleno dia, em plena História,

Qual se fora de noite e em matagal bem denso,
Estrangula-se a um povo heróico o seu porvir,
Rouba-se uma nação como se rouba um lenço,
E vê a luz do Sol este atentado imenso,
E fica o monstro impune! e o bandoleiro a rir!

E não estala um ai de dor em cada peito!
E não submerge o monstro a cólera do mar!
E a terra continua em seu giro perfeito!...
Ó quimera, ó tristeza, ó Justiça, ó Direito!...
Providência! onde estás?... que te quero insultar!!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Hão-de um dia as nações, como hienas dementes,
Teu império rasgar em feroz convulsão...
E no torvo halali, dando saltos ardentes,
Com a baba da raiva esfervendo entre os dentes,
A bramir, levará cada qual o seu quinhão!

E tu ficarás só na tua ilha normanda
Com teus barões feudais e teus mendigos nus:
Devorará teu peito um cancro aceso, a Irlanda,
E a tua carne hás-de vê-la, ó meretriz nefanda,
Lodo amassado em sangue, oiro amassado em pus!

E assim como brutais monstros de pesadelo
No soturno porão de uma nau sem ninguém,
Entre nuvens de fogo e temporais de gelo,
De bombordo a estibordo a rolar num novelo,
Desabando e rugindo, aos montões, num vaivém,

Se estrangulam febris, roucos, dilacerantes,
As pupilas a arder em brasas infernais,
Panteras contra leões, ursos contra elefantes,
Cobras em redemoinho a silvar dardejantes,
Búfalos escornando os tigres e os chacais;

Assim vós, assim vós, duma raça assassina,
Sobre essa nau de pedra onde o mar vai bater,
Vos estrangulareis numa carnificina
De que só ficará, sob a densa neblina,
Num pântano de sangue uma Gomorra a arder!

Milhões, milhões, milhões de bocas esfaimadas
Hão-de dilacerar-te o corpo com furor,
E a pedra a dinamite e a carne a punhaladas
Hão-de tombar no mesmo escombro ensanguentadas,
Em baques de hecatombe e blasfémias de dor!...

Hão-de os lords rolar em postas no Tamisa!
Há-de o corpo de um rei dar um banquete a um cão!
Teu solo há-de tremer como uma pitonisa,
E a canalha sem lei, sem Deus e sem camisa
Abrirá teu bandulho infecto, ó Deus Milhão!

Bancos, docas, prisões, arsenais, monumentos,
Tudo rebentará em cacos pelo ar!...
E ao soturno fragor de teus finais lamentos
Responderão - ladrando! as cóleras dos ventos!
Responderão - cuspindo! os vagalhões do mar!

Fevereiro de 1890

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