Os "Tios" de Augusto Gomes (III) O "Tio" Amadeu (I)
O Tio Amadeu sentia especial predilecção em desfrutar os incautos, que longe estavam de supor o seu feitio pirracento.
Sem nunca ter saído desta ilha, sabia, por dedução, existir infalivelmente em qualquer Bairro ou Freguesia, uma Mercearia, Farmácia ou Barbearia.
E era assim, servindo-se deste estratagema, que explorava a ingenuidade dos interlocutores, com diálogos, mais ou menos, deste jaez:
-O senhor é de cá?
- Não senhor. Sou do Continente.
- É mesmo de Lisboa ?
- Não senhor, sou de Leiria.
- Ah!... Já lá estive!
- Já lá esteve? - Interrogava o outro, entre curioso e contente.
- Vivi lá uns anos... Em que rua morava o senhor?
- Na rua Comes Freire de Andrade.
- Não há lá uma Mercearia dum fulano chamado?... Tenho o nome debaixo da língua-simulava um desesperado apelo à memória.
- Pois há . É a Mercearia do Coutinho!
- Coutinho! Isso mesmo!... Parece que não que o estou vendo... Bom homem!... Éramos como irmãos.
E o diálogo só terminava quando o riso dos circunstantes lançava a desconfiança no interlocutor.